Trechos do livro "No Brasil Só É Preso Quem Quer", escrito pelo promotor Professor Marcelo Cunha de Araújo
Você sabia, caro leitor, que, no Rio de
Janeiro e em São Paulo, menos de 2% dos casos de homicídio
apurados resultam em condenação do assassino e que no
Japão e Inglaterra o índice chega a 90%? Que, com exceção
de São Paulo, os índices de esclarecimentos de crimes pelas
polícias civis ficam abaixo de 5% em todo o país? Que 99,2%
dos homicídios em Pernambuco não são esclarecidos? Que
em São Paulo, apenas 6% dos boletins de ocorrência lavrados
pela Polícia Militar e efetivamente entregues nas delegacias
de Polícia se revertem em inquéritos policiais?
Além disso, é bom saber que, atualmente, devido
à estruturação legal e interpretativa do processo penal
brasileiro, uma pessoa que tenha residência e trabalho fixos
permanecerá em liberdade durante todo o processo criminal,
independentemente do crime cometido (como homicídio,
estupro, estelionato e, obviamente, todos os crimes do
colarinho branco), e que esse processo irá perdurar, em média,
por dez a quinze anos. Ao final, caso o condenado não fuja,
ele deverá se apresentar espontaneamente para dar início à
sua pena (o que, como o leitor já pode imaginar, acaba por
não ocorrer na prática).
Também é imperativo que o cidadão saiba que, por
coincidência ou não, não existe nenhum crime do colarinho
branco entre os crimes hediondos, o que dificulta ainda
mais sua punição. Seguindo essa mesma trilha, temos que
a investigação criminal, além de não ser dotada de pessoal
e meios suficientes, encontra-se sucateada pela falta de
treinamento para combate à nova criminalidade que surge
com a fluuidez das relações contemporâneas (como os crimes
praticados pela internet, crimes financeiros, fraudes à
licitação, etc.). Some-se a isso a interpretação extremamente
anacrônica dos tribunais que entendem que mesmo o servidor
público (como um parlamentar), recebendo seus vencimentos
dos cofres públicos, tem a preservação da intimidade a tal
ponto de impedir as investigações escudado num absoluto
“princípio constitucional da intimidade”.
Por outro lado, é bom o que o cidadão conheça
a realidade prisional brasileira. Saiba o interessado que,
atualmente, temos cerca de 440 mil presos vivendo como
verdadeiros animais em cadeias, presídios e penitenciárias,
na maior parte, em péssimas condições de salubridade,
sendo que, desses, 189 mil aguardam, ainda, seu julgamento.
Apenas em Minas Gerais, segundo dados da Secretaria de
Estado de Defesa Social, são aproximadamente 45 mil presos.
Esse paradoxo que se engendra perante os olhos críticos do
cidadão inconformado com a impunidade pode ser resumido
na máxima que “a guerra contra a pobreza tornou-se, no
Brasil, a guerra contra os pobres”.
Ora, a equação é muito simples e seu resultado é
indiscutível. Coloquem-se, na fórmula, alguns axiomas:
o princípio da presunção da inocência e a necessidade de
responder em liberdade; o fato de os tribunais, principalmente
os superiores (STF e STJ) estarem superlotados de processos
(note que o STF julga aproximadamente 100.000 processos
por ano, enquanto a Suprema Corte Norte Americana julga
em torno de 100); a interpretação extremamente garantista
dos direitos de alguns e a coincidência da legislação e da
interpretação jurídica preverem a necessidade de apenas
aguardar preso aquele que cometeu crime violento.
No somatório dessas “verdades penais insofismáveis
e indiscutíveis”, temos que, como costumo dizer aos meus
alunos, caso se materializem três circunstâncias elementares
na ocorrência real de determinado crime, o acusado NUNCA
passará nenhum dia na prisão. Seriam elas:
i. O acusado
não pode ser preso em flagrante (apesar de que a segunda
circunstância pode suplantar essa);
ii. O acusado deve ter
residência e emprego fixos (e dinheiro para pagar uma boa e
interessada defesa);
iii. O acusado não pode deixar seu caso
cair na mídia.
Na hipótese de uma pessoa conseguir praticar um
delito esquivando-se da ocorrência dessas situações, é quase
garantido que ela não responderá, em nada, pelo seu delito.
E não se trata aqui de uma questão de crime ou de prova,
podendo o criminoso se “dar ao luxo” de cometer qualquer
crime (se falarmos, especificamente, de crimes do colarinho
branco, teremos uma covardia, já que a impunidade
ganha “de goleada” da efetividade, sendo estatisticamente
insignificantes os casos de atuação minimamente adequada
do sistema) e mesmo confessá-lo. Tudo será “resolvido” no
trâmite processual em que os juízes serão meros coadjuvantes
de uma tragédia estrelada pelos percalços do processo penal.
Bom que se diga, por fim, que não se faz aqui uma
crítica às instituições e sim ao sistema, considerando-se que
cada um que nele atua é vítima e co-responsável por suas
mazelas. Essas apenas serão seriamente trabalhadas quando
for desvelada a roupagem jurídica de nossas interpretações
absurdas, permitindo ao cidadão comum uma crítica
consciente e contundente da impropriedade cabal e completa
do sistema criminal, o que se revela como objetivo último de
nossa obra que embasou o presente artigo.
Fonte: https://aplicacao.mpmg.mp.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/482/No%20Brasil%2C%20s%C3%B3%20%C3%A9%20preso%20quem%20quer%21.pdf?sequence=3
Uma crítica ao sistema, não à Instituição. Nenhum setor da nossa sociedade jamais poderá funcionar a contento sem um sistema de justiça eficiente. Todos eles: educação, saúde, trânsito, administrações públicas, dependem de uma organização chamada JUSTIÇA, que deve cuidar para que as regras do jogo do sistema que chamamos de SOCIEDADE sejam respeitadas por TODOS.
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Rezemos porque ao q acabamos de ler é a fotografia de uma guerra hibrida gestada pela eclipse do Bem nas almas corrompidas pelo erro
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