sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

The Economist: No Brasil para sair da cadeia é preciso ser condenado!

A revista britânica “The Economist” traz uma reportagem nesta semana intitulada “Justiça estranha”, com um subtítulo cuja síntese dá o que pensar: “Os tribunais tratam os suspeitos com rigor e os condenados com leniência”.
A síntese deriva do seguinte paradoxo: enquanto um indivíduo em prisão preventiva pode permanecer, a rigor, indefinidamente na cadeia, um condenado em primeira instância pode, no mais das vezes, recorrer em liberdade, de sorte que a condenação acaba se tornando uma precondição da libertação. É claro que há algo de profundamente errado aí.
O texto da Economist começa lembrando que o “jovem juiz” Sergio Moro é “um herói para muitos brasileiros”. Escreve a revista: “A perseguição implacável de Moro aos suspeitos, muitos deles ricos e poderosos, é justamente celebrada como a prova de que o Brasil pode maner o Estado de Direito”.
A Economist dá destaque a uma questão para a qual já chamei atenção neste blog muitas vezes, como vocês sabem — e é, para mim, o calcanhar de aquiles da Lava Jato: a mixuruquice dos políticos processados. Está lá: “As dezenas de pessoas que foram presas e que aguardam julgamento incluem alguns dos maiores nomes do empresariado brasileiro (mas poucos políticos relevantes). Entre eles estão Marcelo Odebrecht, comandante da Odebrecht, a maior empreiteira brasileira, e André Esteves, ex-chefe do BTG Pactual, um grande branco de investimento. Ambos negam irregularidades”.
A revista escreve que, “ainda que possa ser gratificante ver bilionários atrás das grades”, muitos advogados demonstram preocupação com o fato de Moro manter suspeitos presos antes do julgamento. O texto afirma que esses advogados têm receio de tratar do assunto porque não querem se opor a um “juiz carismático” e que os que ousam fazê-lo estão trabalhando para um dos acusados, a exemplo dos 11 diretores do Instituto de Defesa do Direito de Defesa.
Uma professora, que não trabalha para nenhum dos enrolados na Lava Jato, fala em on com a revista. Trata-se de Heloisa Estellita, professora de Direito Penal da Faculdade de Direito da Fundação Getulio Vargas. Escreve a revista ser ela “é um dos poucos críticos dos métodos de Moro que é independente”. Para a professora, Moro “usou, de modo impróprio, a prisão preventiva para fazer acordos de delação”.
A reportagem informa que o conselho da Odebrecht contratou advogados do escritório Blackstone, de Londres, para avaliar se a conduta da Operação Lava Jato está em conformidade com o padrão internacional. O relatório sustenta que o uso que Moro faz da prisão preventiva pode suscitar “questões sérias”, violando tratados dos quais o Brasil é signatário.
Para a Economist, “ao reconhecer a liberdade como um direito fundamental, a maioria dos países usa a prisão preventiva como um último recurso: para impedir a fuga de suspeitos, interferência na investigação ou o cometimento de mais crimes”.
A revista lembra que a lei brasileira permite a prisão preventiva para manter a ordem pública e a ordem econômica, “justificativa frequentemente evocada por Moro”, como no caso de Marcelo Odebrecht. A reportagem observa que o juiz argumenta que os suspeitos dispõem de dinheiro e contatos políticos para interferir na investigação. Uma fala de Moro é reproduzida entre aspas: o juiz admite que a prisão de Odebrecht é uma “medida excepcional”, mas, emenda, “esse é um caso excepcional”.
A Economist, no entanto, contesta a avaliação de Moro: “Talvez nem tão excepcional como sustenta o juiz”. Para o escritório Blackstone, não só Odebrecht, mas a maioria dos presos poderia ser libertada, com pagamento de fiança, prisão domiciliar e tornozeleiras eletrônicas. O relatório observa que “as prisões preventivas não deveriam ser usadas para forçar os suspeitos a cooperar com as investigações ou para evidenciar a gravidade das acusações que enfrentam”.
A revista destaca que as instâncias superiores da Justiça parecem concordar com o relatório, já que o STF, por exemplo, concedeu habeas corpus a 10 dos presos, alegando que, para prendê-los, Moro recorreu a motivos “genéricos e abstratos”.
A Economist faz ainda uma crítica à legislação do Brasil. Lá se pode ler: “Se Moro age de modo despótico, é porque a lei brasileira confere poder incomum a juízes. Além de supervisionar a investigação de suspeitos, como Odebrecht, ele julgará monocraticamente o caso, dará um veredito e proferirá a sentença, tudo sem passar por um júri. Esses múltiplos papéis podem resultar num conflito de interesses: um juiz que investiga pode relutar em absolver alguém que ele próprio mandou prender”.
Ora, Marcelo Odebrecht, que ainda não foi julgado, está preso. A revista lembra que, se for condenado, ele pode ser libertado e ficar livre por muito tempo em razão das múltiplas instâncias recursais. Volta-se à questão do início: enquanto é tecnicamente inocente, fica preso; se for condenado, será solto.

O último parágrafo do texto é exemplar:

“Muitos críticos do sistema, Moro inclusive, acham que os condenados deveriam recorrer de suas condenações na cadeia. Faria sentido. Bem como faria sentido uma revisão do Código Penal que deixasse em liberdade pessoas ainda consideradas inocentes [porque não condenadas], garantindo-lhes um julgamento justo. Moro está certo em defender a lei. Mas a lei precisa mudar”.